A OBRIGAÇÃO DE NÃO CONCORRÊNCIA
Objeto de normatização na Parte Especial, Livro I, artigos 233 e seguintes da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (“CC”), o universo das obrigações, extremamente amplo, encerra o fazer e o não fazer “jurídicos” da atividade humana.
De modo bastante simplificado, o atributo da juridicidade está no fato ou ato capaz de criar, modificar ou extinguir direitos e obrigações.
Em síntese, e para os fins deste breve artigo, obrigações dividem-se em positivas (“A” obriga-se a executar determinado fato em favor de “B”) e negativas (“A” abstem-se da prática de determinado ato em favor de “B”). Os vocábulos “fato” e “ato” são empregados nos artigos do CC que tratam da obrigação de fazer e da obrigação de não fazer (artigos 247 e seguintes e 250 e seguintes, respectivamente).
As obrigações omissivas (negativas e que implicam omissão), em contraposição a ação, podem decorrer da própria lei, de decisão judicial ou do contrato. No campo dos contratos, o devedor “A” obriga-se a não fazer algo a que de modo diverso estaria livre e desimpedido – em benefício do credor “B”.
A obrigação de não concorrer ou o “non-compete” é comumente inserida em contratos empresariais e a validade ou oponibilidade da avença deve ser aferida no caso-a-caso, mas sob pressupostos comuns, a saber:
(i) a obrigação de não concorrer requer uma contrapartida financeira ou com valor econômico (ainda que não em espécie), e
(ii) a obrigação de não concorrer não deve onerar excessivamente o devedor, e daí a importância extrema da simetria ou proporcionalidade entre a “partida” do credor e a “contrapartida” do devedor.
As cláusulas “non-compete” devem, ainda, informar as limitações geográfica e temporal e pormenorizar – qualitativamente – a pactuação omissiva, como, por exemplo, para uma fábrica de pães, a obrigação de non-compete não alcançaria doces.
A riqueza e completude de cláusulas de não-concorrência – elaboradas com a participação de advogados especializados – serão determinantes para a sua validade, eficácia e pertinência econômica no âmbito do mundo negocial.
As hipóteses acima cabem para o sócio retirante em contratos de compra e venda de investimento de capital; realmente, o alienante/cedente, detentor de know-how no setor econômico no qual atuava, é – potencial e teoricamente – um concorrente natural do comprador no negócio alienado por aquele primeiro. Bastante razoável, pois, pretender impedir ou limitar a competição. Usualmente, o pagamento do preço pela alienação de participação societária servirá como contrapartida financeira a justificar a obrigação negativa de não concorrer, mas é recomendável que a cláusula non-compete faça menção expressa à referida tratativa (i.e., a de que o preço alcança/remunera o non compete), visando eliminar ou mitigar controvérsias e disputas envolvendo a questão da proporcionalidade e do alcance da obrigação.
A obrigação de não concorrência para empregados e executivos não-celetistas (profissionais que ocupam cargos de confiança) não estão compreendidas pelo presente escrito e seguem características próprias, mormente em razão de se tratarem muitas vezes de “não empresários” que exercem a atividade profissional para a própria subsistência, quando eventual proibição da atividade poderia impedir a percepção de verbas alimentares, tal qual o salário.
No espectro jurisprudencial, os Tribunais abordam a questão da validade da cláusula de não competição sob a perspectiva do Direito Privado, vale dizer, tudo pode, exceto se proibido por lei – sem, contudo, deixar de aplicar os princípios da razoabilidade e reciprocidade, no sentido de assegurar uma contrapartida – aqui entendida como uma precificação ou alocação de riscos do negócio – relativa à inserção de cláusulas dessa natureza. Vale transcrever a seguinte ementa:
“APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL DE NÃO CONCORRÊNCIA CUMULADA COM COBRANÇA (…) Cessão de cotas sociais juntamente com a tecnologia utilizada pelos cedentes no segmento de salas seguras e salas cofre e ambientes de segurança certificados. Imposição de cláusula de não concorrência pelo prazo de 10 anos, sob pena de multa. Validade. As partes são experientes neste mercado e puderam sopesar a alocação de riscos decorrentes do não exercício de exploração, pela cessionária, da tecnologia cedida. Faculdade de exploração tratada no contrato sempre de forma condicionada à conveniência da cessionária. Ausência de ilicitude. Prazo voluntariamente pactuado pelas partes. Inaplicabilidade do art. 1.147 do CC. Valor da multa. Análise global dos negócios realizados pelas partes, que envolveu, no todo, o valor previsto a título de multa. Ausência de bis in idem em razão da cobrança da penalidade com a permanência da obrigação de não concorrer. Interpretação lógica com o fim de não frustrar o objetivo do contrato. (…) VOTO: (…) a redação das cláusulas sempre previu, de forma condicionada, a possibilidade de exploração da tecnologia pela cessionária, o que se insere no âmbito de alocação lícita de riscos ponderada por partes experientes atuantes na área, o que certamente foi ponderado pelos signatários do instrumento, bem como pela equipe técnica que os assessoraram. (…)”
(TJSP – Apelação nº 0034036-35.2018.8.26.0100 – Rel. Des. Azuma Nishi – 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial – j. em 09/11/2022)
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