CONFUSÃO PATRIMONIAL – O QUE É?

Segundo o ordenamento brasileiro, o patrimônio da pessoa física (ou pessoa natural) não se confunde com aquele da pessoa jurídica (abstração jurídico-ficcional).

Assim, como regra geral, a riqueza pessoal dos sócios não responde por obrigações da pessoa jurídica, exceto nos casos de fraude e abuso da personalidade jurídica.

A confusão patrimonial – espécie do gênero “abuso de direito” – acha-se no rol de hipóteses autorizativas da desconsideração da personalidade jurídica (“IDPJ”), quando então sócios (e administradores, se o caso) respondem por obrigações contraídas pela entidade legal.

Especialmente no universo das pequenas e médias empresas, não incomum a prática e cultura de “caixa único”, vale dizer, sócios usam o dinheiro e bens da sociedade para fins estritamente pessoais, como viagens, a aquisição e manutenção de itens de luxo, dentre eles carros, barcos e aeronaves, a compra de imóveis etc.

Afora os reflexos negativos da transferência e uso indiscriminado de recursos da empresa pelo sócio – sem os devidos cuidados nas órbitas contábil, fiscal e tributária, os sócios e administradores podem vir a responder com patrimônio próprio nos casos de lesão a credores em geral (trabalhistas, tributários e cíveis, com destaque para terceiros vulneráveis ou hipossuficientes).

Em acórdão de outubro último, a 13ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu pela desconsideração da personalidade jurídica de uma holding familiar, no contexto de um empréstimo contraído pela controlada e inadimplido. Naquele caso (Processo no 2100150-52.2023.8.26.0000), o pano de fundo estava na transferência de bens da controlada para a holding – entre pai e filhos – sob o argumento de planejamento sucessório.

Ocorre que a controlada, então com patrimônio esvaziado, deixara à mingua um terceiro credor. O Judiciário entendeu que as transferências de bens da controlada para a holding eram despidas de propósito claro, senão o de “esvaziar” a sociedade devedora, portanto em lesão a direito de crédito de um terceiro, decretando assim a “IDPJ” da controladora.

Planejamento sucessório e patrimonial.

Infelizmente, muitos consultores ainda oferecem “blindagem” patrimonial – como se houvesse proteção contra credores – o que absolutamente inexiste.

Nesse sentido, sempre que se verificar a transferência de bens para uma sociedade holding, sem propósito justificável – mormente quando a movimentação patrimonial tenha o fim de burlar e/ou deixar à míngua credores da pessoa física ou jurídica que os transferiu, será de rigor a aplicação do instituto do incidente da desconsideração da personalidade jurídica.

O empresariado deve, pois, estar atento a ofertas sedutoras, porém ilusórias e possivelmente ilegais, de estruturas societárias que prometem proteção patrimonial.

A proteção ou blindagem possível – e lícita – é aquela do instituidor em relação ao sucessor pródigo, ao herdeiro gastador, e obviamente para o fim de assegurar e perenizar o patrimônio de seu titular (em empresas de controle familiar) para gerações vindouras, tudo a ser avaliado e desenvolvido de acordo com as circunstâncias do caso concreto, em observância à legislação e à jurisprudência dos Tribunais do País.

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