PÍLULAS DE M&A: “EARN-OUT” – ENTENDA COMO FUNCIONA

Muito comum em operações de aquisição de participação societária, a cláusula de “earn-out” (no jargão do M&A) vincula o pagamento de parte do preço de compra de participação ao atingimento de determinados marcos de desempenho (usualmente o faturamento) pela pessoa jurídica adquirida.

O earn-out é um mecanismo de proteção para o investidor-adquirente, que se fia nas declarações prestadas pelos vendedores – e, naturalmente, nas demonstrações financeiras e na auditoria – quanto à capacidade de geração de caixa da sociedade “target”, reservando para si o direito de não pagar uma determinada fração do preço caso o negócio não mantenha ou alcance metas econômico-financeiras pré-acordadas entre as partes. Tecnicamente, o crédito dos vendedores nasce quando do atingimento das referidas metas. Portanto, do ponto de vista legal, o valor correspondente ao earn-out é expectativa de direito de crédito.

O mecanismo de earn-out pressupõe – no mais das vezes – que os vendedores (cedentes de participação societária) permaneçam à frente do negócio ou diretamente envolvidos na operação, de sorte a assegurar não apenas a manutenção da capacidade de geração de caixa então conhecida, mas o seu incremento (conforme metas negociadas no caso-a-caso).

Todavia, se o earn-out presta-se – em tese – a afastar ou reduzir o risco do “gato por lebre” (da ótica do investidor), a prática da aplicação do mecanismo mostra-se muitas vezes complicada, de difícil aferição ou apuração, e não raro empurra as partes para disputas judiciais ou arbitrais.

Dentre outras, vamos às principais dificuldades para o pleno (e sereno) funcionamento da cláusula earn-out:

  • o mercado ou o nicho de mercado sofre em decorrência de questões econômicas, prejudicando a performance da sociedade.
  • os vendedores perdem parte ou a totalidade do acesso ao andamento geral da sociedade (agora sob nova direção e controle), em prejuízo da capacidade de geração de caixa pela empresa.
  • os adquirentes dificultam (senão sabotam) as ações/atividades dos vendedores, de modo a impedir o atingimento de metas.
  • as atividades dos vendedores dependem de ações da sociedade (sob nova direção) – e estas não estão claras, não foram exaustivamente debatidas.
  • a sociedade e os adquirentes experimentam dificuldades financeiras em prejuízo da satisfação da obrigação, ainda que as metas pré-acordadas tenham sido alcançadas.
  • as métricas e critérios contábeis de apuração dos resultados da sociedade são modificadas pelos adquirentes, com o efeito prático de redução do desempenho geral do negócio.
  • os adquirentes desviam foco/energia para outros negócios (direta ou indiretamente) concorrentes, limando as possibilidades de execução das metas.

Muito embora o objetivo deste breve artigo não seja o de censurar a cláusula earn-out, fica o alerta para que (i) seja amplamente debatida, com o apoio de advogados (de lado a lado) e demais assessores (com destaque para os profissionais da área financeira e contábil), (ii) os contratos reflitam – no limite do possível – as hipóteses de deficiência ou ineficiência dos vários métodos de apuração, propondo mecanismos de mitigação ou neutralização de efeitos adversos (não desejados pelas partes), e (iii) as partes negociem garantias (“safeguards”) para a proteção de suas posições relativas na operação.